quarta-feira, 25 de novembro de 2009

vila

Hoje, num surto repentino decidi visitar a Vila em que os pais do meu pai moraram durante todo o período em que estiveram casados. Tipo, uns 50 anos.

O pai dele, Wilson, filho de imigrantes portugueses, analfabeto, veio de navio.
Sua mãe, Maria, vinda da Espanha, também era analfabeta.

Imaginem: muitos dias viajando no mar em condições precárias, em busca de uma vida melhor num lugar que nem sabiam como era. Surreal.

E, pelo caos essas vidas se encontraram, em algum momento da vida.
Acreditaram que poderiam tecer coisas juntos, desembaraçar desejos, sonhar com coisas.

Fizeram 6 filhos, todos nascidos em casa. Sem planejamento, sem escolas particulares, cursos, ou seguro saúde.

Maria trabalhou criando os filhos a vida toda. Tinha uma rotina limitada, pouco conheceu do mundo, não costumava fazer coisas sozinhas, nem mesmo ir até a padaria.

Wilson trabalhou como muitas coisas: fez panelas, foi feirante, e antes de adoecer fabricava produtos de limpeza no fundo do quintal e os vendia em uma kombi branca.

Convivi com eles até meus 11 anos de idade, quando Maria faleceu repentinamente em uma noite de dezembro de 1995. Wilson havia falecido um ano antes de câncer na próstata.

Estranho entrar numa vila, cuja parede data de 14/04/1954 (30 anos, 1 mês e 5 dias antes d'eu nascer), com algumas casinhas reformadas, outras intactas da época da minha infância. Lembrei de esconde-esconde, pega-pega, de querer comer biju vendido por andarilhos. Coisas assim.

Tive muitos primos, de diferentes idades. Pouco contato com a maioria. Hoje não os vejo há tempões.

Pensei em tocar na casa que moraram.
Mas desencanei.
O portão de madeira que tanto cuidavam foi trocado por um tétrico e grande de ferro-feio. bleh.

Falei com a Dona Elfe, uma senhorinha branquíssima, descendente de alemães, nascida em Santa Catarina que aprendeu a falar português apenas aos 20 anos. Lembrei que ela me dava biscoitos, e ela disse ainda com as crianças da vila.

Passei pouco tempo naquele lugar, ou talvez não.
Nesses dias minha percepção foi perversamente alterada.
Ou seria refeita? Ou destruída?
Vai saber.

A casa dos pais do meu pai sempre apresentou uma realidade bem diferente do lugar em que vivia. Era uma casa humilde, em que compravam e armazenavam comida, coisas de tempos difíceis.

Meus tios passavam por muitas dificuldades, outros por problemas que eu achava legais.
O meu tio mais velho, por exemplo, trabalha como bicheiro, foi preso algumas vezes e "comercializa coisas", hoje tem 70 anos (mesma idade da mãe da minha mãe). E, fica desde que me lembro do mundo, numa esquina com o talãozinho de jogo e seus cachorros. Hoje mora no andar de cima de um galpão do meu pai.

Enfim...

Fui embora com muitas/algumas perguntas:

Quem eu seria hoje se tivesse sido criada pela família de meu pai?

Como minha avó materna viveria no mundo de hoje?
[*Sendo mulher não consigo me visualizar sob as mesmas condições que ela viveu.]

Mas, ao mesmo tempo pensei:

O que é preciso para ser feliz?

Não sei se minha avó desejava algo mais do que ter muitos filhos e uma casa.
Certamente não tinham ânsia pelo dinheiro, mas em nutrir uma família.

E, fico pensando aqui...
Ainda existem famílias hoje?

Fui embora com a sensação de ter preenchido algo.
Não sei o que.

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